domingo, 9 de outubro de 2011

Negro discrimina negro mesmo?

É importante tomar conhecimento da complexidade que envolve o processo de
construção da identidade negra em nosso país. Processo esse, marcado por uma sociedade que, para discriminar os negros, utiliza-se tanto da desvalorização da cultura de matriz africana como dos aspectos físicos herdados pelos descendentes de africanos. Nesse processo complexo, é possível, no Brasil, que algumas pessoas de tez clara e traços físicos europeus, em virtude de o pai ou a mãe ser negro(a), se designarem negros; que outros, com traços físicos africanos, se digam brancos. É preciso lembrar que o termo negro começou a ser usado pelos senhores para designar pejorativamente os escravizados e este sentido negativo da palavra se estende até hoje. Contudo, o Movimento Negro ressignificou esse termo dando-lhe um sentido político e positivo. Lembremos os motes muito utilizados no final dos anos 1970 e no decorrer dos anos 1980, 1990: Negro é lindo! Negra, cor da raça brasileira! Negro que te quero negro! 100% Negro! Não deixe sua cor passar em branco! Este último utilizado na campanha do censo de 1990.
Outro equívoco a enfrentar é a afirmação de que os negros se discriminam entre si e
que são racistas também. Esta constatação tem de ser analisada no quadro da ideologia do
branqueamento que divulga a idéia e o sentimento de que as pessoas brancas seriam mais
humanas, teriam inteligência superior e, por isso, teriam o direito de comandar e de dizer o
que é bom para todos. Cabe lembrar que, no pós-abolição, foram formuladas políticas que
visavam ao branqueamento da população pela eliminação simbólica e material da presença
dos negros. Nesse sentido, é possível que pessoas negras sejam influenciadas pela ideologia
do branqueamento e, assim, tendam a reproduzir o preconceito do qual são vítimas. O racismo
imprime marcas negativas na subjetividade dos negros e também na dos que os discriminam.
Mais um equívoco a superar é a crença de que a discussão sobre a questão racial se
limita ao Movimento Negro e a estudiosos do tema e não à escola. A escola, enquanto
instituição social responsável por assegurar o direito da educação a todo e qualquer cidadão,
deverá se posicionar politicamente, como já vimos, contra toda e qualquer forma de
discriminação. A luta pela superação do racismo e da discriminação racial é, pois, tarefa de
todo e qualquer educador, independentemente do seu pertencimento étnico-racial, crença
religiosa ou posição política. O racismo, segundo o Artigo 5º da Constituição Brasileira, é
crime inafiançável e isso se aplica a todos os cidadãos e instituições, inclusive, à escola.
Outro equívoco a esclarecer é de que o racismo, o mito da democracia racial e a
ideologia do branqueamento só atingem os negros. Enquanto processos estruturantes e
constituintes da formação histórica e social brasileira, estes estão arraigados no imaginário
social e atingem negros, brancos e outros grupos étnico-raciais. As formas, os níveis e os
resultados desses processos incidem de maneira diferente sobre os diversos sujeitos e
interpõem diferentes dificuldades nas suas trajetórias de vida escolar e social. Por isso, a
construção de estratégias educacionais que visem ao combate do racismo é uma tarefa de
todos os educadores, independentemente do seu pertencimento étnico-racial.
Pedagogias de combate ao racismo e a discriminações elaboradas com o objetivo de
educação das relações étnico/raciais positivas têm como objetivo fortalecer entre os negros e
despertar entre os brancos a consciência negra. Entre os negros, poderão oferecer
conhecimentos e segurança para orgulharem-se da sua origem africana; para os brancos,
poderão permitir que identifiquem as influências, a contribuição, a participação e a
importância da história e da cultura dos negros no seu jeito de ser, viver, de se relacionar com
as outras pessoas, notadamente as negras. Também farão parte de um processo de
Petronilha 0215/SOS 7
reconhecimento, por parte do Estado, da sociedade e da escola, da dívida social que têm em
relação ao segmento negro da população, possibilitando uma tomada de posição explícita
contra o racismo e a discriminação racial e a construção de ações afirmativas nos diferentes
níveis de ensino da educação brasileira.
Tais pedagogias precisam estar atentas para que todos, negros e não negros, além de
ter acesso a conhecimentos básicos tidos como fundamentais para a vida integrada à
sociedade, exercício profissional competente, recebam formação que os capacite para forjar
novas relações étnico-raciais. Para tanto, há necessidade, como já vimos, de professores
qualificados para o ensino das diferentes áreas de conhecimentos e, além disso, sensíveis e
capazes de direcionar positivamente as relações entre pessoas de diferentes pertencimento
étnico-racial, no sentido do respeito e da correção de posturas, atitudes, palavras
preconceituosas. Daí a necessidade de se insistir e investir para que os professores, além de
sólida formação na área específica de atuação, recebam formação que os capacite não só a
compreender a importância das questões relacionadas à diversidade étnico-racial, mas a lidar positivamente com elas e, sobretudo criar estratégias pedagógicas que possam auxiliar a reeducá-las.

Fonte: Parte do texto retirado do Parecer 003/2004.
Link: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/003.pdf

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