domingo, 13 de fevereiro de 2011

Mulher Negra - Leci Brandão

Leci Brandão
Nasceu em 12/09/1944 e foi criada nas proximidades de redutos do samba carioca, como a Portela, Vila Isabel e Mangueira. Tendo Jorge Ben como primeiro ídolo, é influenciada também pelo rock norte-americano. Nos anos 60 começou a atuar como cantora e compositora, e em 1968 ganhou o primeiro prêmio do programa A Grande Chance, da TV Tupi. Em 1972 entrou para a ala dos compositores da Mangueira, sendo a primeira mulher a conseguir esse feito. Participou de festivais de MPB e samba, e lançou o primeiro disco em 1974, um compacto com músicas suas. Em 1975 veio o primeiro LP, "Antes que Eu Volte a Ser Nada", seguido por outros três ainda nos anos 70. No início da década de 80 brigou com a gravadora Polygram e passou alguns anos sem gravar, época em que se acentuou sua atuação política, ligada ao sindicalismo e aos direitos humanos e minorias. Também foi o período em que desenvolveu sua carreira no exterior, apresentando-se no Japão, Dinamarca, Angola e Estados Unidos. Trabalhou com o grupo Fundo de Quintal, voltando a gravar em 1985. Em 1990 seu disco "Cidadã Brasileira" ganhou dois prêmios Sharp. Atua como comentarista dos desfiles do carnaval carioca e lançou, em 1999, o CD "Auto-Estima". Entre os maiores sucessos gravados por Leci estão "Isso É Fundo de Quintal", "Só Quero Te Namorar", "Café com Pão", "Papai Vadiou" "Olodum Força Divina" e "Deixa pra Lá".
REVISTA RAÇA BRASIL
Ela é do tipo que não leva desaforo para casa. E, se o motivo for justo, também não fica de fora de uma boa briga. Para a cantora e compositora Leci Brandão, o exercício da cidadania vale 24 horas por dia. Para defender seu ponto de vista e sua música, tempos atrás ela pediu demissão de uma gravadora multinacional e pagou o preço de ficar cinco anos sem gravar. Seu Rei das Ervas, a entidade que sua mãe-de-santo incorpora, lhe disse para não se preocupar. E estava certo. No período em que ficou sem gravadora, Leci fez sua primeira viagem ao exterior e cantou, como nunca, lá fora e em shows por todo o Brasil.
RAÇA BRASIL - Como vai a carreira neste momento?
LECI BRANDÃO - Mudei para a gravadora Movieplay, em 1996, mas eles não entendem quem é a Leci Brandão. Quando lancei meu último disco, Somos da mesma Tribo, o pessoal do MNU procurou a assessoria de imprensa da gravadora para ajudar na divulgação. Mas eles não deram qualquer retorno. A minha opinião é que a Movieplay não tem divulgação competente. Pelo menos uma que entenda o meu trabalho e invista onde interessa. Quando cheguei lá, com um samba do Martinho da Vila que eu queria regravar, um diretor artístico falou que não estava com nada. Mas não foi só nessa gravadora. Enquanto a Copacabana me tornou uma vendedora de discos em São Paulo, a RGE me fez perder espaço lá. Em 1981, quando apresentei meu repertório à PolyGram, o Roberto Menescal me disse que o som que estava rolando naquele momento era outro e que eu precisava compor outras coisas. Na época, quem fazia sucesso era a Lady Zu, o Sidney Magal ... Então, pedi rescisão de contrato. E, neste país, pedir demissão de multinacional é ficar marcado pelo resto da vida. E fiquei cinco anos sem gravar, mas sempre sobrevivendo de música. Cantei em tudo o que era canto, até na Dinamarca, e depois em Angola, no Festival de Luanda, em 1984.
RAÇA - Mas, hoje, o que faz sucesso é o samba. O que determinou essa mudança?
LECI - Isso se chama trabalho de gravadora. Elas resolveram investir nos grupos, depois do estouro do Raça Negra, com 2 milhões de discos. E isso não adianta discutir. Foi o sucesso deles que abriu caminho para os que vieram depois. Isso porque cada gravadora resolveu ter o seu próprio Raça Negra.
RAÇA - Então, copiaram o que deu certo, em busca do sucesso fácil?
LECI - Veja, por exemplo, a questão da temática. Só se fala de amorzinho... Porque o Raça Negra estourou falando de amor. Quem não fala de amor está falando de sacanagem. Está todo mundo indo à aba da Bahia, depois que se viu que essa sacanagem que o baiano sempre teve, a sexualidade, dá pé. Então eles falam de uma coisa ou de outra.
RAÇA - Isso empobreceu o samba?
LECI - O que eu coloco para esses meninos, que assistiam a nossos shows quando tinham 10, 11 anos, é que acho fantástico o sucesso deles, porque ralaram muito. Mas eles poderiam aproveitar todo esse sucesso e prestar um grande serviço à sociedade brasileira, fazendo letras fantásticas como as dos garotos do funk e do rap.
RAÇA - Mas isso não seria, de certa forma, seguir a "escola Leci? "
LECI - Não sei se é seguir a minha escola. Mas acho que eles podem prestar um serviço social. Todos os meus discos têm músicas de amor, mas nunca deixei de me preocupar com a mulher, com o homem, o cara do morro, o trabalhador, o suburbano...
RAÇA - No início de carreira você fez músicas de temática gay. Foi discriminda por isso?
LECI - Quando fiz "Ombro Amigo", mandaram uma carta para a Mangueira. O presidente da ala dos compositores respondeu que não tinha nada contra mim. Agora, não dá pra vir com brincadeirinha comigo. E também não pergunto ao meu público qual é a opção sexual de cada um. Quero é ver a casa cheia.
RAÇA - Sua figura de artista ficou tão associada às brigas sociais, à defesa das minorias, que passaram a chamá-la de Leci Comunindade, não é?
LECI - Sou uma pessoa que veio da comunidade e acho que é minha obrigação levantar essa bola. Na Rede Globo, onde fui comentarista de Carnaval durante nove anos, ficava falando da baiana, do cara da bateria, do compositor. Sempre achei que a festa do Carnaval é deles, os outros são oportunistas. Porque, um dia do ano, eles passam dois segundos na tevê. Os artistas aparecem 363 dias no vídeo. Aqueles dois dias do desfile são da galera do samba. O apelido não me aborrece. Adoro! Sou mesmo a rainha da comunidade.
RAÇA - E por que você parou de comentar Carnaval na Globo?
LECI - O pessoal de alta sociedade ficou incomodado porque eu não falava o nome deles. A Globo teve um comportamento muito legal, porque jamais recebi bilhetinho para falar o nome de A, B ou C. Mas também pararam o comentário. Hoje, é só narração. E o povo do samba sente saudade, me cobra, porque a minha saída é a ausência do nome deles no desfile da televisão.
RAÇA - Você já foi jurada de desfile?
LECI - Sempre me recusei. Não vou julgar amigo meu. Tenho trânsito livre em todas as escolas. Então, é muito complicado julgar alguém que vi crescer, que convive comigo. E eu sei o sacrifício que é fazer um Carnaval. Criticar é fácil. Mas ninguém sabe o que é empurrar carro alegórico, socorrer a baiana que passou mal no desfile, não deixar faltar fantasia pra ninguém. Nunca desejei ser de diretoria de escola de samba. É muita responsabilidade. E também iria brigar muito.
RAÇA - Neste Carnaval, você participou de uma escolha de samba bastante controvertida na Mangueira. Por que os compositores paulistanos ganharam?
LECI - Primeiro quero deixar claro que já cheguei seis vezes à final de samba-enredo, então, não é novidade perder. A questão é que, quando a diretoria abriu espaço para que samba de qualquer Estado se inscrevesse, poderia ganhar alguém de Minas ou do Sul. E, apesar dos boatos de que houve acordo financeiro, eu, conhecendo o presidente Elmo dos Santos, me nego a acreditar que ele fosse capaz de entrar num acordo desses. Porque isso significa traição à ala de compositores, traição à arte.
Fonte: www.culturanegra.com.br

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